
Mais uma vez, carente de receitas para bancar gastos crescentes — e sobre os quais não quer se debruçar —, o governo promete atacar as renúncias fiscais, propondo redução de 10% em seu total. Como, de acordo com o Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias enviado ao Congresso em abril, o montante orçado para 2026 chega a 621 bilhões de reais (4,5% do PIB), a economia seria de 62 bilhões, dinheiro grosso, se não relativo à receita total, certamente comparado ao tamanho do buraco orçamentário previsto para o ano que vem.
Parece bom demais para ser verdade, e, claro, é. No minuto zero de jogo já se deixou claro que estão fora do plano de ação do governo o Simples Nacional, a desoneração da cesta básica e — preciso dizer? — a Zona Franca de Manaus, que, em conjunto, representam nada menos que 224 bilhões. Falamos, portanto, de algo como 36% da dita renúncia tributária, ou 1,6% do PIB.
Podemos incluir fora disso também rubricas como rendimentos isentos e não tributáveis (dividendos, em sua maior parte), assim como as deduções do rendimento tributável (tipicamente despesas de saúde e educação), e, por fim, as entidades sem fins lucrativos, que adicionam outros 165 bilhões de reais ao rol dos intocáveis. Não por acaso, são seis das sete maiores renúncias fiscais. A sétima, a propósito, é a isenção da caderneta de poupança (um vespeiro) e dos títulos imobiliários e do agronegócio, outra luta ladeira acima, como veremos nos próximos dias.
“A chance de avançar é bastante baixa porque o governo não perde oportunidade de ampliar gastos”
Isso dito, lembremos também que o histórico de promessas de redução dos gastos tributários não é exatamente o que se poderia chamar de impecável. O artigo IV da chamada PEC dos Precatórios (EC 109/2021) estabelecera que o Executivo enviaria ao Congresso um projeto de lei complementar (PLC) para reduzir as renúncias a não mais que 2% do PIB no prazo de oito anos. O PLC foi submetido ao Congresso e deu em nada, o que não é surpresa. Como também não é, ou não deveria ser, surpreendente que o atual governo não tenha feito qualquer esforço para avançar esse PLC (ou outra versão dele) no Congresso para limitar o gasto tributário, apesar da retórica a respeito.
Afinal de contas, é sempre bom recordar, a renúncia fiscal em 2003-2004 equivalia a 2% do PIB, segundo estudo da FGV. Em 2015, depois de três governos petistas, havia mais que dobrado, chegando à marca de 4,5% do PIB, na qual permanece até hoje. Guido Mantega, ministro da Fazenda durante a maior parte desse período, mais de uma vez se vangloriou da política, embora não faltassem vozes à época alertando para os riscos dessa abordagem.
As chances, portanto, de avançar nessa frente são bastante baixas, não apenas porque os interesses corporativos no Congresso são obstáculos consideráveis, mas, ousaria dizer, também porque o atual governo — de novo, a despeito da retórica inflamada — não perde oportunidade de ampliar o leque de gastos tributários, como foi o caso do programa Mover.
Como se depreende, não falamos de azar, mas de desígnio. Ao final das contas, sem um plano para conter o avanço inexorável dos gastos, não há remendo de receitas que possa dar um jeito no problema. Posso soar repetitivo, mas, se a realidade insiste em permanecer a mesma, como poderiam mudar as consequências?
Publicado em VEJA de 13 de junho de 2025, edição nº 2948