“É hora da ação”, diz André Corrêa do Lago, presidente da COP30 4m392f
Embaixador afirma que a conferência pode trazer resultados concretos que têm tudo para se revelar um bom negócio para o mundo 36512i

Mais da metade dos 43 anos que o embaixador André Corrêa do Lago, hoje com 66, dedicou à diplomacia se deu na área ambiental. Autor de livros diversos sobre o tema, foi ele que liderou as costuras pelo lado do Brasil na Conferência da ONU Rio+20, em 2012. No início do governo Lula, assumiu a secretaria de Clima, Energia e Meio Ambiente do Itamaraty, cadeira que o alçou ao desafio-mor de sua carreira: chefiar a Conferência do Clima, a COP30, em Belém. O evento de novembro acabou por lançá-lo em um giro global para convencer chefes de Estado e de governo a se comprometerem com as metas de redução de emissão de gases que aceleram o aquecimento global. Nesta entrevista concedida por videochamada, entre um e outro compromisso em Brasília, mesmo diante das dificuldades em torno de um consenso, ele revelou um notável otimismo quanto às chances de avanços concretos no encontro à vista.
Um dos pontos centrais da COP30 é a defesa da substituição de combustíveis fósseis, mas a conferência acontecerá a poucos quilômetros da Margem Equatorial, onde o Brasil está justamente tentando encontrar petróleo. Não é uma contradição? Há duas questões misturadas aí e, a meu ver, não estamos estabelecendo um debate muito racional sobre o tema. A primeira é se há o risco de acidente ambiental, uma pergunta legítima. O que sabemos é que a Petrobras é uma das empresas com o menor número de ocorrências desse gênero em todo o mundo. Já o segundo ponto gira em torno do quanto custará explorar o petróleo caso venha a ser encontrado e se o preço compensará.
Se o Brasil for adiante, não estará caminhando na contramão? Nenhum país tem atualmente plenas condições de viver 100% em uma economia de baixo carbono. Todos precisam fazer generosos investimentos para superar o desafio. Mas é importante lembrar que essa é uma agenda que parece feita para favorecer o Brasil. Há defensores de que tais recursos poderiam ser usados de maneira positiva, justamente para acelerar a transição para a energia limpa e preservar a Amazônia. Felizmente, temos uma boa democracia, imprensa livre e o ambiente necessário para conduzir essa conversa com tranquilidade.
Os sinais trocados emitidos pelo presidente Lula sobre esse tópico não dificultam as negociações com outras nações? Não. Ele manifesta interesse em saber se existe petróleo na Margem Equatorial, ao mesmo tempo que demonstra firme apoio às negociações sobre emergência climática, controle do desmatamento e descarbonização. Temos de pensar no médio prazo, refletindo sobre como tudo isso vai contribuir para o esforço de alcançarmos a neutralidade de carbono em 2050.
“Nenhum país tem hoje plenas condições de viver 100% em uma economia de baixo carbono. Todos precisam fazer generosos investimentos para superar o desafio, inclusive o Brasil”
O senhor disse que quer fazer da COP30 um mutirão em prol do clima. Como funcionaria? Algumas pessoas acham que uma COP se resume a um evento. Na verdade, é uma etapa de um movimento bem mais extenso. Ao longo do ano, há várias ocasiões em que será possível avançar nas discussões. As presidências anteriores focaram no encontro. Eu aposto mais no processo. E, para ser eficiente, decidimos chamar a comunidade internacional a participar desse mutirão, que já envolve todos os setores, de modo que possam se preparar para Belém não só com expectativas, mas também com iniciativas.
Tem havido grande dificuldade de construir consensos, situação agravada pela ausência dos Estados Unidos. Sendo realista, há chances de a agenda climática avançar? Essas conferências não são apenas negociações entre países-membros da Comissão do Clima. Você também envolve a sociedade civil, governos, empresariado e academia. Em Dubai, há dois anos, o consenso esperado ao redor do balanço geral do Acordo de Paris e do afastamento das fontes de energia fósseis foi atingido. Em 2024, no Azerbaijão, chegou-se a um termo comum em relação ao valor da contribuição financeira dos países em desenvolvimento, que fechou em 300 bilhões de dólares. Na COP de Belém, como não há pauta obrigatória, se abre um valioso espaço para uma agenda de ações concretas.
Quais discussões o governo brasileiro pretende encaminhar? Antes de mais nada, pretendemos fortalecer o multilateralismo, fazendo com que o mundo reitere que as decisões sobre a mudança do clima serão negociadas entre os vários atores. Outro ponto é traduzir o que foi falado para a vida das pessoas. A terceira dimensão à qual estou atento é juntar organismos internacionais, como o FMI e o Banco Mundial, já que são eles, e não a Convenção do Clima, que executarão o que foi negociado.
Em COPs anteriores só foram obtidos resultados reais quando as superpotências estavam alinhadas, o que não é o caso agora. O senhor não está sendo otimista demais? Como maiores emissores de carbono do planeta, Estados Unidos e China são, de fato, peças centrais. O governo americano decidiu sair do Acordo de Paris, mas a maior parte da economia seguirá acompanhando as decisões dali porque são elas que regem o comércio internacional. As multinacionais não podem simplesmente desconsiderá-las. Mais de 35 estados americanos já avisaram que continuarão firmes com suas políticas ambientais, de forma independente da Casa Branca. Um caso interessante é o do Texas. Maior produtor de petróleo do país e republicano, tornou-se o campeão em energia renovável por se tratar de um ótimo negócio.
E a China está mesmo comprometida com metas arrojadas de redução de emissão de gases? Tenho a percepção de que a China está mais engajada do que nunca com a agenda ambiental. O país decidiu investir maciçamente em carros elétricos, painéis solares e usinas eólicas, obtendo resultados muito favoráveis do ponto de vista econômico. As circunstâncias internacionais estão, no fundo, contribuindo para que os chineses tomem a dianteira.
Com a guerra da Ucrânia, a União Europeia, que abraça com ênfase a questão climática, tem priorizado a área da defesa. Isso o preocupa? É compreensível que os países realoquem verbas em setores que consideram mais estratégicos, mas a mudança do clima segue em marcha, com ou sem guerra. Qualquer decisão, por mais legítima que seja, tem de levar em conta essa ameaça, que já afeta populações. Antes, para calcular o preço de uma apólice de seguro, investigava-se o ado. Agora, as companhias têm de mirar a previsão de aumento de temperatura no futuro. Uma casa, por exemplo, pode perder um imenso valor por isso.
Essas previsões baseiam-se na meta de impedir elevação de temperatura superior a 1,5 grau, mas tal barreira já foi rompida no ano ado. Será que o debate vem se desenrolando sob parâmetros irreais? A maioria dos cientistas ainda diz que se deve manter 1,5 grau como referência. Essa insistência não é apenas simbólica. A ideia é que, acima desse patamar, as consequências serão cada vez mais graves, com a interrupção de equilíbrios na natureza. Há risco de savanização da Amazônia, o que teria um impacto severo sobre as chuvas e, consequentemente, na agricultura brasileira.
O senhor costuma dizer que não há solução para a crise climática que não e pela Amazônia. Afinal, já existe unanimidade internacional sobre como protegê-la? Se você perguntar em qualquer país livre se é importante preservar a Amazônia, todos dirão que sim. Mas, quando o papo é financiamento, a opinião fica bem mais moderada. É preciso pensar na Amazônia em três dimensões: preservação — e nesse sentido o Brasil está propondo a criação de um fundo —, redução do desmatamento e restauração vegetal. Este último viés tem potencial enorme, já que pode gerar muitos créditos de carbono.
A Amazônia convive com invasão de áreas protegidas, garimpo, pesca ilegal e presença do crime organizado. Não é de se esperar que os países tenham resistência em financiar sua preservação? Isso tudo dá a dimensão da ilegalidade ali, que é assustadora. A criminalidade no bioma é maior do que na Índia, sendo que a região amazônica é mais extensa, porém, com população bem menor. Se não for monitorado, se torna automaticamente atraente para os bandidos. Mas o governo conseguiu reduzir o desmatamento de forma significativa e criou um centro de combate ao crime organizado, com participação dos países amazônicos. Hoje, as diversas polícias federais trocam dados e agem de maneira coordenada.
“Se você perguntar em qualquer país livre se é importante preservar a Amazônia, todos dirão que sim. Mas, quando o papo é financiamento, a opinião fica bem mais moderada”
Há disposição de negociar maior presença de forças estrangeiras para elevar a segurança da região? Você pode ter certeza de que nenhum país do mundo quer assumir isso. A comunidade internacional prefere que seja um desafio brasileiro, então precisamos encontrar a fórmula nós mesmos.
Há muitos anos se fala ser necessário fazer com que a floresta de pé valha mais do que a exploração de seus recursos naturais. Por que é tão difícil? Essa é a pergunta de muito mais de 1 milhão de dólares. Não é possível que seja mais interessante destruir do que manter esse verdadeiro tesouro, que tem efeito extraordinário sobre a captura de carbono, a biodiversidade e as comunidades locais. É essencial assegurar incentivo aos setores que podem colaborar no combate às mudanças climáticas, ao mesmo tempo que se respeite o interesse econômico dos proprietários da terra, contanto que ajam dentro da legalidade. Temos um grupo de economistas pensando em um modelo que vamos apresentar na COP.
O preço das estadias em Belém durante a conferência está proibitivo. O Brasil corre o risco de ficar mal na foto? A maioria das nações que sedia o encontro procura locais que vão impressionar o visitante. A decisão do presidente Lula de fazer a COP30 em Belém é muito corajosa porque evidencia que o país ainda tem muito a realizar em seu caminho para o desenvolvimento. O fato de a cidade contar com poucos hotéis e apartamentos é um problema contornável. O grande desafio são os preços, que andam infinitamente acima da média mundial de uma COP. Isso precisa ser equacionado.
O vice-presidente Geraldo Alckmin convidou o papa Leão XIV para a COP. Ele virá? Se vier, será o máximo. O Vaticano, começando pelo papa Francisco, publicou uma encíclica extraordinária, a Laudato Si’, que incorporou a questão da mudança do clima a debates como o da justiça social e do combate à pobreza. A presença do papa não seria apenas simbólica, mas de um ator maior em meio a um esforço mundial.
O senhor também é acometido pela ansiedade climática, mal causado pela expectativa de um futuro incerto? Racionalmente, há muitos motivos que deveriam fazer com que eu não dormisse bem. Mas, acredite ou não, há várias razões para ser otimista. Enxergo soluções e boas notícias no horizonte.
Publicado em VEJA de 13 de junho de 2025, edição nº 2948