Mudanças no TSE alimentam estratégia controversa de Bolsonaro de voltar ao jogo eleitoral 1i3q1c
O que o país espera é que, independentemente de quem esteja envergando a toga, a Corte siga atuando para garantir a legalidade 2c645m

Um ponto de convergência entre a psicanálise e a sabedoria popular é que o humor é uma forma de escape daquilo que verdadeiramente se pensa. Um dos momentos mais marcantes — e populares nas redes — do interrogatório de Jair Bolsonaro na Primeira Turma do STF foi quando ele pediu vênia a seu “adversário”, o ministro Alexandre de Moraes, para fazer uma brincadeira. “Eu gostaria de convidá-lo para ser vice em 2026”, disse o ex-presidente, que recebeu um imediato “eu declino” como resposta. Entre os risos de réus, ministros, advogados e plateia, o que ficou como verdade é que Bolsonaro continua vendo a si mesmo como candidato à Presidência em 2026. Inelegível duas vezes e com o risco de terminar o ano com uma condenação criminal nas costas pela tentativa de dar um golpe de Estado, ele segue se apresentando como o nome da direita e aposta, como última cartada, na mudança das cadeiras do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), onde pretende travar a batalha final para colocar seu nome na urna.
A estratégia é uma mímesis do que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez em 2018. Na época, preso e recorrendo da sua condenação na Lava-Jato, o petista registrou a candidatura e foi protocolando sucessivos recursos enquanto seu vice, Fernando Haddad, percorria o país. Até o Supremo dar um veredicto final, indeferindo o registro (36 dias antes do primeiro turno), Haddad ou semanas fazendo campanha, colando a sua imagem à do titular da chapa e se tornando conhecido em nível nacional (o que não era realidade à época). A estratégia permitiu uma transferência de votos ímpar que levou Haddad até o segundo turno, quando foi derrotado por Bolsonaro.

A ideia do ex-presidente é fazer o mesmo e, talvez, emplacar alguém da família, como o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), que itiu a VEJA que o Planalto está nos seus planos. Diferente de Lula, Bolsonaro contaria com o adicional de, se não for preso, andar o país pedindo votos. O ex-presidente pode pedir o registro mesmo se for condenado criminalmente, o que geraria nova inelegibilidade. “A legislação permite que qualquer pessoa, em qualquer condição, seja escolhida pelo seu partido na convenção. Ela poderá arrecadar recursos e fazer campanha enquanto tramita o seu registro de candidatura”, explica Fernando Neisser, professor de direito eleitoral da FGV/SP.
Na Avenida Paulista, em abril, Bolsonaro chegou a dizer que tinha esperanças em um TSE “isento” em 2026. A aposta está na futura composição da Corte, quando Nunes Marques será o presidente e André Mendonça, o vice-presidente, ambos ministros indicados por Bolsonaro ao Supremo. Nos processos do 8 de Janeiro, os dois protagonizaram várias vezes uma “dobradinha” para reduzir as penas dos acusados. Em 2023, Nunes Marques já estava na Corte eleitoral e votou contra a decretação de inelegibilidade de Bolsonaro. Presidindo o TSE, ele também terá a pauta sob seu controle e pode tanto postergar quanto adiantar votações. Lula está atento a isso. Segundo um interlocutor próximo ao Planalto, o presidente fez um agrado ao ministro ao indicar um aliado seu, o desembargador federal Carlos Brandão, para o Superior Tribunal de Justiça (STJ). A ideia é inibir a chance de que em 2026 ocorram atos de lealdade a Bolsonaro. Mendonça, que será vice, já divergiu de Moraes em várias ações importantes, como aborto, arma de fogo e redes sociais.
A dança das cadeiras no TSE para 2026 já está em andamento. A Corte tem sete cadeiras (veja o quadro), que são rotativas. Três são de ministros do STF (o terceiro será Dias Toffoli), duas de ministros do STJ e duas de juristas nomeados pelo presidente da República. Da cota do STJ, quem deve continuar é o ministro Antonio Carlos Ferreira, que é tido nos bastidores do Judiciário como uma pessoa de posicionamento mais progressista — prova disso é o endosso que tem do Prerrogativas, grupo de advogados ligado a Lula e ao PT. Outras fontes observam, porém, que, desde que ou a integrar o TSE, Ferreira se aproximou de magistrados mais conservadores. A segunda cadeira do STJ está ocupada por Maria Isabel Galotti, que em novembro deverá dar lugar a Ricardo Villas Bôas Cueva, que é ministro substituto e tido como favorito. Pelo tom das suas decisões, é visto como uma pessoa de perfil técnico, que dificilmente faria algo inusitado para ajudar o ex-presidente.
O grande “x” sobre a composição do TSE em agosto do ano que vem, quando encerrar o prazo de registro das candidaturas, está nas duas vagas de juristas. Hoje, elas são ocupadas por ministros que são da “cozinha” de Alexandre de Moraes — Floriano de Azevedo Marques Neto e André Ramos Tavares. Os dois entraram na Corte juntos, em 2023, e votaram para Bolsonaro ficar inelegível. O biênio da dupla terminou em maio e, para que as vagas deles sejam preenchidas, Lula precisa escolher dois nomes a partir de duas listas tríplices que a atual presidente do TSE, Cármen Lúcia, elaborou. Lula deve bater o martelo até o começo da semana que vem, mas o clima não está dos melhores. Cármen colocou Azevedo e Tavares na mesma lista, e deixou a segunda apenas com mulheres, obrigando o presidente a ficar com um ou outro. O argumento dela foi a necessidade de aumentar a quantidade de mulheres na Corte, mas o gesto foi interpretado como uma tentativa de diluir a influência de Moraes no TSE. Na segunda lista tríplice, as maiores chances estão com a advogada Vera Lúcia Santana Araújo, que tem um histórico de proximidade com o PT e já ocupa uma das cadeiras de substituta.

Ainda que a composição do TSE em 2026 tenda a não repetir o perfil combativo da gestão de Moraes, a perspectiva está longe de favorecer Bolsonaro. O pedido de registro de candidatura, que dá origem a um processo judicial, não tem chances de ir para Nunes Marques. Como presidente, ele não entra no sorteio de processos. A possibilidade de o pedido cair na mesa de Mendonça é de 1 para 6. O relator é quem analisa o processo e submete a sua conclusão ao plenário.
Se não tiver sucesso na tentativa de recuperar seus direitos políticos e os casos transitarem em julgado, Bolsonaro poderá ainda tentar uma ação rescisória no TSE. “Pode ser deferida uma liminar com efeito suspensivo sobre a decisão que o tornou inelegível”, explica o advogado Samuel Falavinha. Na última guerra judicial que se trava antes da eleição, muita coisa pode ser tentada. Em 2018 Lula lançou mão até de uma medida cautelar concedida pelo Comitê de Direitos Humanos da ONU para tentar garantir o registro — Edson Fachin concordou com a tese, mas o petista teve o pedido negado por 6 votos a 1.

A atuação do TSE sob a guarda de Moraes foi fundamental para garantir o processo democrático. Antes do 8 de Janeiro, em dezembro de 2022, em um momento de muita tensão, a Corte garantiu a diplomação do presidente eleito enquanto bolsonaristas ateavam fogo em ônibus e tentavam invadir a sede da PF. Tanto em 2022 quanto em 2024, o tribunal foi firme na defesa da lisura do sistema de votação e no combate à desinformação. O que o país espera é que, independentemente de quem esteja envergando a toga, a Corte siga atuando para garantir a legalidade. Mesmo com as mudanças de composição no TSE, não será fácil para Bolsonaro voltar ao jogo eleitoral.
Publicado em VEJA de 13 de junho de 2025, edição nº 2948